Nessa semana me deparei com um dos gurus do empreendedorismo postando qual foi a média de horas que dormiu no último mês e se gabando por ter conseguido dormir no máximo 4 horas por noite. Outro deles, iniciou um grupo de mentorias às 3 da manhã, pois “dormir é para os fracos” e “se você não usa o tempo a seu favor, não reclame depois”. E o pior: a sala estava lotada. O que parece convencer as pessoas que consomem esse tipo de discurso é uma fórmula aparentemente mágica e simples do sucesso: basta fazer o que os outros não estão fazendo e você terá o mundo aos seus pés. Veja: o problema não é se você vai dormir poucas horas por noite ou participar de mentorias de madrugada. O problema é que tipo de discurso te leva a fazer isso.
“Querer é poder”. “Se você quer, você pode”. Ninguém discorda que o primeiro passo para qualquer realização é estar disposto a lutar por ela, mas a distância entre querer e poder é longa e varia de acordo com cada indivíduo. É necessário estudar, se preparar, planejar, economizar, adquirir novos hábitos. Em muitos casos, é necessário inclusive tratar traumas antigos e procurar ajuda profissional para conseguir se desenvolver. O problema do discurso simplista é que ele é exatamente isso: um atalho. Ao invés de pensar em tudo que precisam fazer para se tornar um profissional de sucesso, para ter condições de mudar de carreira, para empreender, para serem ótimos pais e mães, as pessoas preferem olhar seus gurus dizendo: faça isso e terás a solução desse problema! Para que pegar o caminho mais longo se meu guru está me mostrando um curto que funciona?
É impossível que exista um segredo do sucesso generalizável, ou todos seríamos bem-sucedidos.
Se nesse ponto do texto você está se perguntando quem eu estou chamando de guru do empreendedorismo, eu esclareço: são aqueles palestrantes, autores, coaches ou seja lá como se denominam, que tem um discurso altamente motivacional, que gritam, que te inflam de energia, que te dão a receita mágica do sucesso, mas que quando você vai olhar embaixo da superfície, não sobra nada. São rasos. Vazios de conteúdo. Te falam o que fazer, mas não te ajudam a saber como fazer. E, se tentam te ajudar no como fazer, fazem isso de maneira superficial. Adicione ao discurso raso uma quantidade imensa de fotos lindas que te fazem ter certeza que aquela pessoa é rica, bem-sucedida e tem uma família perfeita.
É impossível que exista um segredo do sucesso generalizável, ou todos seríamos bem-sucedidos. Isso começa da percepção do que é sucesso para cada um. Se alguém me disser que para ter sucesso na minha empresa eu só posso dormir 4 horas por noite, eu desisto agora mesmo. Empreender demanda um processo de autoconhecimento e de encontrar o que faça sentido para você. Eu tenho consciência de que preciso das minhas 8 horas de sono toda noite ou serei totalmente improdutiva no outro dia. E isso não me torna melhor ou pior do que alguém. Eu posso desejar ter um rendimento mensal e você querer ter o dobro ou a metade. Eu posso querer ter um negócio global e você querer um negócio local e isso não nos torna mais ou menos empreendedores.
Empreendedorismo é um fenômeno complexo e precisa ser tratado como tal.
A grande irresponsabilidade dos gurus é que, ao desrespeitar as características individuais e vender fórmulas que funcionam para qualquer um, eles podem estar jogando pessoas no fundo do poço. Conheço várias pessoas que se inflaram com esses conteúdos e mergulharam ainda mais fundo depois, pois “se eu sou a dona do meu futuro”, “se para ter sucesso eu preciso acordar às 5 e eu não consigo”, “se fiz tudo que o guru me falou e ainda assim não consegui, então sou mesmo um fracasso”.
O que funciona para o outro não precisa funcionar para você!
Não existem receitas de bolo para empreender. Não existe uma receita do que é ser foda. O que funciona para o outro não precisa funcionar para você. E tudo bem. O caminho para o sucesso começa na vontade, mas passa por uma boa dose de autoconhecimento e de sua capacidade de aprender e criticar. Antes de sair gritando nas fotos por aí ou perdendo noites de sono, pergunte-se: é isso que eu quero para mim?
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